Pecados Modernos – Vaidade, o pecado é não ter

Era o dia do casamento da Nati e eu uma das madrinhas.

Havia dormido cedo no dia anterior, mas mesmo assim pousei os saquinhos de chá de camomila sobre os olhos depois de tomar meu café da manhã.

– Amor, você só vai tomar duas xícaras de chá? – Meu namorado perguntou naquele tom repreensivo. – Não vai comer nada?

– Já comi uma barrinha de proteína, – respondi e ele revirou os olhos. – Vestido de seda marca muito, Ti.

Lembrando-me do vestido, corri até o guarda-roupas, retirei-o do plástico e estendi a peça sobre a cama. O tecido era liso e agradável ao toque, e o tom amarelo deixava minha pele morena ainda mais bronzeada.

Teria ficado admirando meu investimento (que custou quase mil reais) se não tivesse apenas dez horas para me arrumar. O dia ia ser corrido.

Primeira parada, academia. Fiz um HIT de quarenta minutos e tirei uma selfie de top no espelho para postar no instagram. Legenda: “Me preparando para o casamento da Nati! #casamentonatiegui #barriganegativa #projetoGiAlmeida #mashojesaiodadieta”. Tomei um banho, engoli meu shake de wey e me enfiei no carro de novo.

Segunda parada, casa da Graça. Deitei na maca e nem precisei explicar nada à minha santa fisioterapeuta. Ela começou com a drenagem e depois pegou o rolo de macarrão para a massagem modeladora. Gemi de dor mas sabia que valeria a pena.

Terceira parada, salão. Pedi uma saladinha ali mesmo e comi enquanto várias pessoas trabalhavam a minha volta. Uma fazia as unhas dos pés, outra as das mãos e uma na sobrancelha. Acabei a sobrancelha e fui para o lavatório. Massagem na cabeça e banho de creme. Luzes, depilação, esfoliação facial, escova, babyliss.

– Quero o cabelo mais amassado, aquele visual cool “acabei de acordar”. – Expliquei para o cabeleireiro.

Ele concordou, desmanchou os cachos com os dedos, e espirrou dois quilos de laquê nas minhas madeixas.

Hora da maquiagem. Hidratante, base, corretivo, pó, sombra, mais pó, lápis, rímel, mais pó (eu estava suando), blush. Optei por um batom nude, para uma maquiagem bem natural.

Voltei para casa muitas horas depois e finalizei colocando o vestido. Admirei o resultado no espelho: Meus cabelos negros brilhavam em ondas perfeitas, minha pele parecia um pêssego, meus ossos do colo saltavam entre as alças finas do vestido e a seda amarela emoldurava as curvas perfeitas da minha cintura.

– Ficou linda, Gi.

Eu tinha. E fiquei orgulhosa pelo meu esforço.

Chegamos à igreja e encontrei as outras madrinhas. Trocamos elogios sinceros; todas haviam se preparado para a ocasião e era difícil dizer quem estava mais bonita.

Então meu olhar pousou na Silvinha.

Ela estava com o mesmo vestido do casamento da Paula, suas unhas não estavam feitas e seu cabelo estava… normal. Como se tivesse saído do banho e só “passado” um secador.

Cheguei a me sentir envergonhada, mas não posso dizer que fiquei surpresa. Sil era ótima pessoa e amiga, mas nunca foi muito vaidosa. Sempre tive vontade de dar um toque, mas tinha medo que ficasse chateada.

A cerimônia foi linda; fiquei feliz por ter usado rímel e lápis à prova d’água. Depois veio o jantar. Tudo maravilhoso, mil elogios de todos os lados, e parecia que a noite seria perfeita.

Mas na pista de dança uma tragédia aconteceu.

Tiago se empolgou e derrubou vinho no meu vestido. Eu mostrei todos os dentes numa careta, como uma besta ensandecida. Ele tentou me pedir desculpas e nós brigamos aos berros no ouvido um do outro; pelo menos por causa da música alta ninguém nos ouviu.

Meu namorado foi embora, balbuciando críticas de como eu me apegava a coisas pequenas. Pequenas? Deixei que ele fosse e corri para o banheiro para ver o estrago. Minhas amigas vieram atrás, e a Marcinha teve a brilhante ideia de pegar sal na cozinha para por em cima da mancha. Silvinha foi a última a chegar e tentou apaziguar a situação.

– Gi, não fica assim, é só um vestido. Ninguém vai reparar na mancha.

Não sei se foi a minha raiva ou as três caipirinhas, mas finalmente tomei coragem para destilar o veneno que estava na ponta da língua.

– Conselho vindo de alguém que não fez nem as unhas para vir na festa.

As outras quase se engasgaram com o susto, mas a Silvinha apenas deu de ombros.

– Eu não me importo com essas coisas, nunca me importei. – Por um momento achei que ela estivesse com pena de mim. – Eu não quero ser escrava da vaidade, sou mais do que minha aparência.

Sil saiu do banheiro deixando todas com cara de tacho; ela adorava dizer essas frases pseudocults. Todas nós éramos mais do que nossas aparências, mas nem por isso precisávamos ser desleixadas.

Afinal, estávamos na era do Instagram, das fotos com filtro, do photoshop, do twitter onde só se podia postar cento e quarenta caracteres. Éramos da geração selfie. E mesmo no Face, onde era possível escrever e compartilhar links inteligentes, o que mais ganhava likes eram fotos de perfil, não textos longos sobre feminismo e política. Aparência hoje era mais que um cartão de visitas, era um carimbo de sucesso. Podia soar fútil, mas nem por isso deixava de ser verdade.

Respirei fundo e me acalmei, tendo a certeza que a Silvinha só dissera aquilo para parecer superior. E como se quisesse me provocar ainda mais, ela estava dançando com o marido, balançando os cabelos malfeitos e as unhas descascadas, seus lábios sem batom abrindo-se em um sorriso que convenceria os mais ingênuos de que ela era realmente feliz.

Mas quem era feliz nos dias de hoje sem ser perfeita ou morrer tentando?

O pior de tudo era saber que ela já havia desistido. Meu coração de manteiga se derreteu e consegui sentir pena, mesmo depois do que ela me dissera. Balancei a cabeça de um lado para o outro, e tudo que me vinha à mente era “Que pecado, meu Deus. Que pecado uma mulher sem vaidade.”