Ano Sabático – Parte IX

La Spiaggia, a costa Amalfitana

Eu costumo brincar que tenho 47 anos de praia (como dizia o antigo anúncio de um protetor solar) porque vou à praia desde bebê. Das lembranças (acho que a partir dos 4 ou 5 anos) de quando passávamos as férias escolares em Santos ou em um aconchegante apartamento na Praia Grande, litoral sul de São Paulo, estar na praia sempre foi como estar em casa.

Como minha mãe não era de praia, à medida que fui crescendo, naqueles tempos da inocência e quando pouco se falava sobre qualquer tipo de violência, ela acabava atendendo aos meus choramingos – quando não esperneadas-  e deixava que eu ficasse mais com aqueles que, como eu, podiam passar o dia todo na praia sem se aborrecer com o sal ou com areia – os bons vizinhos ajudavam no revezamento e ficavam de olho na pequena aqui. Vez ou outra, ela levava um lanchinho reforçado e ia conferir se estava mesmo tudo bem comigo e meus “tutores de praia”. Mas eu me comportava bem. Bastava deixar que eu brincasse beira mar. Desde cedo aprendi com meu pai a não ter medo do mar, mas sim, a respeita-lo. A sede de praia era tanta, que eu só voltava pra casa quando a fome apertava muito ou minha mãe ia me buscar… ou mandava minha irmã. E assim, das descobertas do litoral norte de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e do Nordeste, quando pensava em viajar, pensava “para qual praia eu vou agora?” Estar próxima ao mar sempre foi uma alegria e primeira opção.

Por isso, quando decidi ir para Itália, apesar das tantas sedutoras possibilidades, como Sardenha e Sicília, não poderia deixar de conhecer a famosa Costa Amalfitana. E como na Toscana, decidi que percorreria meu trajeto de trem, ônibus e barco. Sorrento foi escolhida para montar a base, e uma vez lá, seria fácil conhecer as praias. E assim foi.

De Roma para Nápoles, o trajeto do trem é rápido, e a qualidade da viagem, excelente. Já de Nápoles para Sorrento há um “downgrade” do trem e o tempo do trajeto pode parecer mais longo; durante esse tempo, em um dia muito quente, só conseguia pensar que em breve estaria tomando meu banho de mar azul no Mediterrâneo.

Torna a Surriento

Quando pensava em Sorrento, a primeira coisa que minha vinha a cabeça era música do Pavarotti, “Torna a Surriento”. Além do comentário irônico de um amigo “Você vai ficar em Sorrento?! Sorrento é para velhinhos!” Talvez, de fato, seja. É uma praia, um balneário, bastante familiar. E sedutoramente encantador. Da estação de trem até o bed&breakfast que ficaria hospedada, e no pouco que conheci naquela tarde, tive uma sensação de aconchego… Um sentimento que me remeteu às férias de infância – as pessoas se cumprimentavam na rua (e me cumprimentavam também!), ou simplesmente sorriam umas para outras. Me senti bem recebida e acolhida.

Assisti ao belíssimo pôr-do-sol, que vi em poucos lugares nessa vida, tomei um spritz num bar com vista de cartão postal ouvindo bossa nova. O que mais eu poderia querer?

O mundo estava perfeito até eu voltar para o B&B, me conectar e tomar conhecimento que as manifestações e movimentos que já vinham acontecendo no Brasil tinham tomado um peso maior. Acompanhar on line aquela movimentação das mídias sociais, das pessoas indo para as ruas, meus familiares e amigos, e eu, que sempre esperei por esse momento no país, sem poder fazer nada, sem participar… senti um aperto no coração. Pode parecer bobagem e piegas, mas é fato: quando você está fora é que você passa a entender e dar mais valor a algumas coisas. E chorei. Chorei pelo meu país, pela pobreza de muitos, pela injustiça, pelas nossas esperanças e de orgulho das pessoas que pacificamente saíram as ruas. Eu estava no paraíso mas queria me teletransportar para o Brasil. Ouvi falar que aconteceriam manifestações em apoio aos brasileiros em Londres, Amsterdã, Nova Iorque, Paris (que vergonhosamente proibiu a manifestação). Menos na Itália, ou não na Costa Amalfitana. Não havia o que eu pudesse fazer. Liguei para minha sobrinha, Camila, que estuda em Londres, e combinamos dela ir me encontrar na Itália. Assim, as duas, chorosas e se sentindo as “ex-patriadas”, fariam companhia uma para outra. O importante pra mim naquele momento era estar o mais próximo possível de casa.

Da sensação de estar muito longe de casa, mas ainda que me sentindo em casa, na acolhedora Sorrento, me organizei para aproveitar aquele paraíso de forma que pudesse conhecer nos próximos 6 dias, Positano, Amafi, Ravello e Capri, e ainda, deixei um ou dois dias para repetir o que tivesse gostado mais. A escolha foi seguir de ônibus, com suas vantagens e desvantagens. Depois da experiência na Toscana, entender, ou render-se, ao transporte público italiano, à “agenda” dos ônibus, seria uma farra. Como vantagens eu diria que, eu podia quebrar o pescoço para olhar aquele visual vertiginoso sem me preocupar em dirigir e nem em estacionar o carro. Sem contar as “aulas de direção” – sim, eu confirmo, os italianos são os melhores motoristas do mundo!!!! Aonde para nós cabe, ou passa, um carro, na costiera os motoristas italianos fazem passar dois. Não sem antes buzinar bastante e xingar o outro motorista ou a mãe de alguém. Enfim, passear de ônibus na Itália é divertido.

Positano é a joia da costa Amalfitana. Famosa por ser o destino preferido de casais apaixonados como todo mundo sabe. Eu também sabia, mas fui lá ficar comigo mesma e com meu romantismo. Ou nunca se sabe… A praia, toda de pedras, é uma delícia e sim, a sensação do dolce far niente vem junto. É se entregar a ela. Vale também se perder pelas suas ruelas. Foi nessas andanças que encontrei lojinhas, cafés charmosos e o comércio onde comprei frutas e outras delícias italianas para passar o dia al mare. Além disso, a vista de cima de Positano, é mesmo de tirar o fôlego.

A famosa ilha de Capri é um charme só. Imagino como deve ter sido nos anos 70. O atrativo principal são os passeios de barco. Nós optamos por ficar em confortáveis espreguiçadeiras até cansar (cansar do quê mesmo?). A praia escolhida foi a Marina Picolla dona daquele visual que talvez seja o principal cartão postal da ilha. E pra chegar lá, se não for de barco, é pegar o funicular até o topo da ilha e de lá um minibus. Ficou o gosto de quero mais. Capri merece a estadia de dois dias inteiros para conhecer a ilha toda, de carro e de barco, e sua vizinha Anacapri; e não ficar refém dos horários dos barcos, que também, como os ônibus, e digo isso com bom humor, podem ser alterados.

Amalfi, a vizinha de Positano, é mais rústica e tem seus segredos se você se aventurar a explorá-la. Lugares deliciosos e escondinhos que você pode não reparar a primeira vista estão ali, há dois séculos, oferecendo guloseimas de fazer você esquecer qualquer dieta e comer rezando e ajoelhado/a, como o sensacional baba ao rum, as clementines (a nossa tangerina) com chocolate, “n” receitas de limoncello… e claro, os gelatos! Como eu já disse, depois da Itália, nada será como antes, nem seu peso.

A praia em Amalfi é mais restrita, ou menos charmosa, às vezes tem só um deck pra muita gente querendo um lugar ao Sol. Vale ficar atento/a na estrada que reserva verdadeiras joias de praias naturais, escondidas. (Infelizmente, por uma distração, perdi a maioria das fotos boas que fiz de Amalfi, por isso, tenho poucas para mostrar)

Ravello foi “A” surpresa. Eu me apaixonei pela cidade e assim como em Sorrento, Siena e Florença, logo fiquei buscando casas para alugar por uma longa temporada. Considerada pela Unesco desde 1996, patrimônio da humanidade, é em Ravello que a vida cultural acontece na costa Amalfitana – festivais de música, teatro, dança, cinema. Tem até um auditório projetado por Oscar Niemeyer a pedido do sociólogo Domenico De Masi, o autor do ócio criativo (e que eu adoro).

Graças aos jardins da Villa Rufolo a cidade exala o perfume típico do Mediterrâneo, e quem gosta de explorações a pé, vale descer a “trilha” até Minori ou até Amalfi. Nós, seguimos para Minori. A paisagem é deslumbrante e num certo momento tem uma bifurcação… para um lado o caminho segue pelas vinícolas e plantações de limão, pelo outro… não sabemos. Decidimos na moeda e nos aventuramos pelo primeiro. Descobrimos nesse dia que não basta ter uma vinícola ou uma plantação de limões, tem que ter quem cuide delas! Vez ou outra éramos surpreendidas pelos latidos “atentos e ferozes” dos cães italianos (risos). Não precisamos correr de nenhum, mas levamos alguns sustos seguidos de risadas. Chegamos em Minori sãs e salvas, e mais felizes.

Procurávamos uma praia menos turística e encontramos Bagno Regina Giovanna. Frequentada praticamente apenas por italianos que fogem pra lá  por ser um reduto um pouco fora do circuito turístico, está a mar aberto e tem uma vista espetacular de 180 graus do Vesúvio à Sorrento. E é free… A praia, que não é bem uma praia, é na verdade um sítio arqueológico: uma antiga vila romana, Villa Pollio Felice, que pertencia a húngara Regina Giovanna D’Anjou (1371-1435), rainha de Nápoles. Por sua conduta “escandalosa” – ela tinha o hábito de se banhar naquelas águas, nua, com seu amante – ficou conhecida como Bagno Regina Giovanna. As ruínas estão lá ainda e infelizmente bem abandonadas. Banho de Sol e de mar lá, só à moda antiga – sem cabines ou espreguiçadeiras. Não vimos ninguém nu (!).

No primeiro dia peguei um ônibus lotado. Mas lotado mesmo. Um inglês, já “meio pink” do Sol, sofria de calor e carregava um micro-ventilador que talvez fosse o bem mais precioso dele naquele momento… ele procurava manter uma certa elegância e se segurava como podia, valentemente, a cada curva sinuosa que o ônibus fazia (e devo dizer, não são poucas as curvas e são sinuosas mesmo). Eu podia olhar pra ele e imaginar-lo derretendo, mas não sem seu sorriso no rosto. Este, só aumentava, assim como seus olhos se abriam a cada nova e surpreendente paisagem da costiera. Eu, assim como outros, estava na mesma situação, mas sem o ventilador, meio pendurada, e a cada curva, apenas a janela panorâmica do ônibus me separava daquela imensidão azul. Uma alemã, que estava sentada próxima a mim, olhava preocupada e pronta para “defesa” caso eu perdesse o equilíbrio e caísse em cima dela. Ríamos uma para outra, assim como os demais turistas, de toda parte do mundo, se entreolhavam vez ou outra como se compartilhando através de olhares e sorrisos, uma parte do que estávamos vivendo ali. Não me contive e comentei com ela em dado momento, “isso sim é viajar de primeira classe, você não acha?”. Ambas caímos na gargalhada.

Do clima contagiante de balneário, das férias, do esperado verão, das cabines coloridas, das espreguiçadeiras al mare, e o bronzeado, sim, o bronzeado do Mediterrâneo é diferente, do visual da estrada que é tão lindo, mas tão lindo, que dá vontade de você mergulhar lá de cima naquela imensidão. Da cor do Mediterrâneo que é única. Da spiagia com a beleza e o charme italianos… Foi assim que a costa Amalfitana aqueceu e alegrou um coração saudoso e aflito pelo Brasil.

2 comentários COMENTE TAMBÉM

Simplesmente…S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L
Fotos lindas, que delicia de post!
Parabéns. Bjsssss

Wow Katia! Muito obrigada 🙂
Beijos e em breve tem mais

Comentários fechados.

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